
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decidiu que eventuais restrições de acesso a cargos públicos devem ser excepcionais e baseadas em justicação idônea, com base no princípio da legalidade e as especifidades da função a ser exercida. A exclusão de candidatos que não apresentam qualquer restrição para trabalho viola o mandamento do concurso público e o princípio da impessoalidade, diante da determinação constitucional de amplo acesso aos cargos públicos e de avaliação com base em critérios objetivos; e, ainda, o
princípio da e ciência, porque reduz o espectro da seleção e faz a Administração perder talentos.
Segundo a Corte Suprema, concursos públicos devem combater, corrigir e abster-se de praticar desigualdades. O risco futuro e incerto de recidiva, possíveis licenças de saúde e aposentadoria não podem impedir a fruição de direito fundamental, especialmente o direito ao trabalho, que é indispensável para propiciar subsistência, emancipação e reconhecimento social.
A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 886.131, interposto por
uma mulher aprovada em concurso público para compor o quadro do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais como O Oficial Judiciário. Após sua nomeação, ocorrida no ano de 2005,
uma junta médica a considerou inapta para assumir o cargo, por ter sido acometida por um
câncer de mama e submetida a cirurgia, quimioterapia e radioterapia, sem que tivesse
decorrido o lapso de cinco anos exigido no Manual de Perícias do TJMG desde o término do seu
tratamento para o câncer de mama até a data do exame admissional.
No seu voto, o Ministro Luis Roberto Barroso apontou que, no caso concreto, havia uma
discriminação em razão de saúde e uma discriminação de gênero, já que não havia qualquer
previsão semelhante para doenças urológicas ou outras que acometam igualmente homens e
mulheres, de modo que, ao estabelecer período de carência especificamente para carcinomas ginecológicos, o ato administrativo restringia o acesso de mulheres a cargos públicos.
Para Barroso, embora seja legítima a exigência de aprovação em exames médicos admissionais
como condição de ingresso em cargos públicos, tal avaliação deve ter a exclusiva pretensão de
analisar se o candidato possui condições atuais de saúde para exercer as funções do cargo
pretendido.
Conforme ficou consignado no acórdão, o ato de impedir a posse de um candidato aprovado
por motivo de doença pretérita representa discriminação, na medida em que se vale de um
dado de saúde para negar o acesso a um cargo público, sem que tal circunstância seja
relevante para o bom desempenho da função pretendida. Compete ao Estado apoiar as
pessoas acometidas por doenças, de modo ajudá-las a se restabelecer, e não o contrário, isto
é, retirar delas as oportunidades de ascensão.
Dessa maneira, o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal vai ao encontro da
Convenção n.o 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual prevê que os Estados
devem promover igualdade de oportunidades no acesso ao trabalho, de modo que sejam
eliminadas discriminações, bem como do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da
ONU, que proíbe qualquer discriminação no acesso e manutenção ao trabalho (arts. 2o, item 2;
e 3 o do Decreto n.o 591/1992), efetivando, assim, os princípios da dignidade da pessoa
humana, do amplo acesso aos cargos públicos, da igualdade e da e ciência, tão caros a um Estado Democrático de Direito.
O inteiro teor do acórdão foi publicado em 18 de março de 2024 e a tese fixada pelo STF deve
ser respeitada por todos os órgãos públicos da Administração Pública Federal, Municipal e Estadual, já que estes devem se abster de adotar medidas que resultem em tratamento desigual de grupos marginalizados, inclusive por motivo de saúde, tanto no setor público como no privado.
Carla Reita Faria Leal e Ana Paula Marques Andrade são membros do Grupo de Pesquisa
sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.